Exorcismos, amores e uma dose de blues

em sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Autor:Eric Novello
Gênero: Ficção, Fantasia.
Páginas: 336
Editora: Gutemberg


“Existe um lugar mágico em Libertà. Um recanto onde nenhum problema consegue alcançá-lo, nenhum desafeto pode irritá-lo e a velocidade do mundo nunca ultrapassa a da sua respiração.”


Uma fantasia urbana. E eu queria que esse livro coubesse na frase anterior. Mas não. Ele não cabe.

Exorcismos, amores e uma dose de blues conta um trecho conturbado da vida de Tiago Boanerges, um mago que ganha a vida exorcizando oníricos e está em busca de redenção pelo erros do passado. O cenário dessa história é a louca e atemorizante cidade de Libertá — uma versão Lewis Carrol de São Paulo, que no final me deu a impressão de ser um Frankenstein onírico: muitos pedaços de cidades colados através de reflexos.

Vivendo de bicos, Tiago recebe a chance de voltar a trabalhar no “ Conselho de Hórus”, seu antigo emprego. O preço para isso é resolver de vez um caso que trouxe sua ruína no passado e levou embora seu coração, — No sentido mais literal que essa frase possa ter — mas, nós sabemos que nada é tão simples quanto parece. NADA. E em Libertà isso não seria diferente.


Existe um relógio nessa história. Ele está em todos os lugares.
Mas o escritor o deixou para depois e ficamos sem saber detalhes. 

Durante a investigação para resolver o caso, Tiago descobre ser apenas uma mosquinha numa teia de aranha gigante. Dói ser só mais um. E é isso o que Tiago é, mesmo que ele se esforce para não ser. E de uma forma ou de outra, ele vai descobrir que o maior desafio mesmo é se perdoar. É fácil fazer merda e acreditar que nossos motivos são muito fortes. Mas a ficha sempre cai e junto com ela desce o remorso. E aí, o que sobra? Vontade de corrigir os erros. Vontade de voltar no tempo, mesmo sabendo que faria exatamente as mesmas coisas.

Percorrendo o caminho de páginas, conhecemos a necromante Julia Yagami, pupila de Boanerges, Hain, um efrite misterioso que me despertou desconfiança até o final, Ori (o gato onírico), Moebius, Beatrice Belcastro, Liz e a Musa. Ainda tem outros, menos importantes, mas que possuem seu peso na história.

Todas as vezes em que abri o livro, me senti transportada para um mundo feito de fumaça, cores e perfumes. A mente voava longe, seduzida pelas baladas de blues, meio de ressaca entre um onírico e outro.

Eu queria falar desse livro. Contar o quanto mexeu com minha imaginação. A verdade é que fiquei com uns parafusos frouxos e outros fui perdendo no meio do caminho.

O nível de imersão de Exorcismos, amores e uma dose de blues  é profundo. Ler essa obra foi como perder a consciência, me deixando afogar num universo muito próximo ao meu e ao mesmo tempo perigosamente distante. Ou seja: é difícil me ater a pontos específicos para dizer o quanto vale apena ler esse livro.

Tiago é amante de blues. Vira e mexe tem alucinações com seus ídolos. O livro todo oferece citações de músicas que tocam na cabeça do moço. Eu, que nunca parei para ouvir uma coisa assim, me peguei abrindo o livro a esmo: Se encontrasse uma canção na página aberta procuraria ouvi-la. E é assim que, enquanto escrevo essa [des]resenha, ouço  “Black Magic Woman”de Fleetwood Mac.

Entre as minhas teorias do porque esse livro ter me levado a voar tão alto, está o fato dos diálogos não serem construídos com travessões. As falas são distribuídas entre aspas, não havendo separação entre o que é fala e o que é texto. Isso me deu a impressão de que o livro ia se desfazer a qualquer minuto, como a fumaça de um incenso.

Exorcismos tem vida, fauna, flora e ecossistemas próprios. Talvez mais de uma leitura seja necessária para absorver tudo que está lá, e também sinto que mais de um livro será necessário para explorar essa coisa de Entremundos e Reflexos.

O projeto gráfico não pode ser ignorado. A capa fala muito mais do universo do livro do que pensei a princípio. Preste atenção nos pássaros negros e no lobisomem uivando para a lua. O livro é dividido em quatro partes, cada uma com abertura ilustrada pela Carolina Vigna. Imagino que sejam aquarelas, ou ilustrações com giz. Eu não sei dizer com certeza, pois não pesquisei.

Meu personagem favorito é um Lúdico. O jardineiro do Jardim do Esquecimento, que sei lá porque, me lembrou Nina Simone.

Quando terminei, senti que o livro falava muito mais que as trezentas e poucas páginas. Exorcismos fala de perdoar a si mesmo, correr atrás do prejuízo, de romper com o passado e aproveitar o agora. Fala da coragem de vencer os desafios que aparecem, mesmo que isso signifique ter de olhar o que há de mais fraco em si mesmo. Fala que merdas acontecem o tempo todo e que na maior parte das vezes fomos nós mesmos que deixamos acontecer.

Estamos em novembro e posso dizer sem nenhuma dúvida: Exorcismos foi um das melhores leituras que tive esse ano. E olha que li livros incríveis. Depois de tudo isso, está na cara que é uma leitura mega recomendadíssima, né?

Até a próxima!

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