Sinopse: Amélia é uma jovem governanta começando seus trabalhos na Mansão Stern após ser contratada pelo excêntrico milionário Cássio. Aos poucos ela descobre que a mansão abriga mistérios e que giram em torno da pequena Carmen, a irmã mais nova.
Será que Carmen é apenas uma menina deslocada ou haveria um motivo sobrenatural para sua estranheza?
Mergulhe nesse mistério e descubra com Amélia o que pode acontecer nas sombras da mansão.
LEIA UM PEDAÇO DO PRIMEIRO CAPÍTULO:
A charrete me deixou na entrada de uma estradinha de terra batida, ladeada por mato alto
e árvores. O condutor me disse que, seguindo por ali chegaria ao meu destino. Agradeci a carona
e segui. Aqui e acolá, as pedras me faziam pisar em falso, meus sapatos não estavam acostumados.
Me parabenizei mentalmente por ter escolhido um vestido cuja barra ficava pouco acima dos
tornozelos. Do contrário, teria uma boa quantidade de terra nas roupas. Sentindo o peso de minha
maleta, rezei para que a estrada chegasse logo ao fim. A viagem tinha sido cansativa e na ultima
noite havia dormido numa hospedaria na estrada, para garantir que chegaria pela manhã.
Eu tinha sorte de chegar no alto da primavera, quando a neve e o sol mais frio tinham
ficado para trás. O caminho revelou uma leve subida e já estava ofegante ao finalmente enxergar
as grades grossas de um portão de ferro preto.
Além do portão havia um imenso jardim com estátuas brancas, retratando mulheres,
homens e crianças. Rosas brancas despontavam entre arbustos bem cuidados e outras plantas
ornamentais.
No centro do jardim havia um caminho de pedras lisas que se bifurcava ao chegar num
chafariz ornamentado de flores e tornava a se unir depois deste, apontando para o casarão.
Embevecida, puxei a corda do sino que localizei assim que me aproximei da grade.
Passados alguns minutos toquei novamente e ainda assim ninguém foi ao meu encontro. Resolvi
experimentar o portão e para minha surpresa estava aberto. Tive apenas que livrar o encaixe do
ferrolho e entrei no jardim.
Olhei ao redor e inspirei o perfume das flores. Depois de avançar além do chafariz, pude
ver melhor o casarão Stern. Uma construção sólida, quadrada e lisa. Havia pelo menos, oito
janelas de cada lado. A fachada inteiramente pintada de cinza. Era como se aquela casa não
pertencesse ao mesmo dono do jardim.
Meu estômago estremeceu. Jamais havia trabalhado numa propriedade tão imensa. Eu
tinha apenas 29 anos e nenhum resquício da segurança que deveria ter. Então respirei fundo,
apenas endireitei os ombros e segurei minha maleta com mais firmeza. No bolso do casaco minha
carta de recomendação.
Bati com a aldrava na porta de madeira maciça. Ninguém. Bati novamente, controlando
a ansiedade. Nada. Lembrei-me do portão, e então segui o exemplo. A maçaneta estava
destrancada.
Entrei, cautelosa. A entrada da casa era marcada por um amplo salão sem mobília. O piso
era branco e tive certeza de que estava pisando em mármore. Logo a minha frente uma escadaria
larga que se bifurcava no andar de cima.
Haviam portas de madeira e vidro nas laterais do salão. Mantive silêncio procurando por
alguém que pudesse me receber, até ouvir um murmúrio vindo de uma das portas à esquerda.
Parecia que uma conversa se desenrolava e por mais que eu não quisesse parecer intrometida,
senti-me empurrada. Uma força magnética me puxava cada vez mais para perto.
— Olhos tristes são o que vejo em você. — Ouvi uma voz masculina dizer.— Seus olhos
são enormes e me assustam, quando às vezes, e muito por acaso os encontro. Você não poderia
ser menos feia e desarrumada, Carmem? Anda sempre muda, esgueirando-se pelos cantos das
paredes, escondendo-se nas sombras atrás das portas desta casa imensa. Sua presença me enoja,
parece um bicho, não fala. Come sem maneiras.
Retraí-me. Quem falaria com outra pessoa assim?
— Os seus olhos tristes e enormes parecem cada vez maiores. — Ele continuou — Toda
vez em que me vejo obrigado a suportar sua imagem, são o que mais chamam atenção. Eles me
fazem perdoar toda a imundície que sua presença exala. Quero ver o quanto mais do seu rosto
estes olhos devorarão.
De onde eu estava, de frente para a porta semiaberta, pude ver o homem empertigar-se,
levantar da poltrona e aproximar-se de uma pessoa encolhida ao pé da escrivaninha. Dava para
ver um vulto vestido com panos encardidos. O rapaz suspirou e deu continuidade ao monólogo:
— Uma noite, sonhei que era toda olhos. Um grande par de olhos a vagar nesta casa, se
arrastando, como é de seu costume fazer. Foi uma visão medonha, tenho que admitir, mas... muito
intrigante. E penso se não é possível que se torne realmente aqueles olhos. Como sempre não fala
nada. É muda mesmo ou não sabe falar, criatura asquerosa?— Só então me dei conta de que se
tratava de uma garota, embora não pudesse ver seu rosto. A moça encolheu-se.
—Devia arrancar sua língua! É desnecessário mantê-la, se não a usa para nada!
O rapaz agachou-se e esbofeteou a menina com força. Limpou o sangue do anel num
lenço e ordenou que o deixasse em paz. Ela, por sua vez, arrastou-se para fora da sala, empurrando
com força a porta e deixando-a aberta de vez. Quase caí de costas com o movimento. Ainda me
sentia aturdida com o que acabara de assistir.
Enfiando o lenço no bolso do colete cinza, Cássio virou-se para mim lentamente,
parecendo finalmente atentar para minha presença. Tentei controlar a tremedeira de meus braços.
De repente senti frio, mas busquei me manter firme nos segundos infinitos em que ele me encarou.
Na época me perguntei se ele sabia que eu estava ali, atrás da porta, acompanhando a cena
violenta. Hoje tenho certeza de que sabia, e mesmo assim não demonstrou constrangimento.
Tampouco parecia consternado ou envergonhado.
Ele apresentou-se como Cássio, dono do lugar e único herdeiro da família. Depois de uma
breve entrevista, passou-me a lista de obrigações e foi-se tão logo apresentou meus aposentos.
Meu quarto ficava no casarão, enquanto os outros empregados dormiam num pequeno prédio nos
fundos da propriedade. E assim fui admitida na Residência Stern.
Carmem era uma moça, cuja aparência me abstenho de descrever, por não encontrar
palavras que as valham. Tinha dezesseis anos, acho. Disseram-me que os jovens Stern eram
irmãos por parte de um dos pais. Nem sempre o que nos dizem é verdade. Quase nunca é.
...continua
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