Conto ZIG - Parte 01

em terça-feira, 18 de outubro de 2016


A festa não era assim, a coisa mais divertida do mundo. Talvez eu seja alguém que não curte espacinhos apertados, música alta e bebida para todo lado. Mas o Vinni tinha insistido. “Vai ser legal Zig. Você tem que vir comigo.” Ele usou aquela cara de mistério supremo, me convencendo na hora.  Blergh. Desde que chegamos ele conversou com todo mundo e bebeu horrores. E eu? Bem, eu estou aqui, procurando um lugar para respirar.

Equilibrei-me no guarda-corpo da sacada. Era divertido brincar com as leis da gravidade, sentir um grande nada atrás de mim.  Aqui e ali casaizinhos tentavam engolir a cabeça um do outro em beijos que mais pareciam exploração cerebral. Talvez fosse como uma sopa de ervilhas: nojento de ver, mas quando tomamos até que é legal. Ou talvez não. Eu realmente não gosto de sopa de ervilha. Tem gosto de alho e feijão. E é verde.

O vento batia forte, lambendo meus cabelos para trás. E eu suspirei. Acho que era a quinta vez naquela noite em que eu suspirava forte. Nem percebi quando o Vinni apareceu ao meu lado, trocando as letras das palavras.


— E aí, Xig, tá curtindo? Hic! — Disse, tentando se equilibrar numa perna só. Ou ele estava muito bêbado, ou estava tentando parecer casual. Ou os dois. Bizarro.

— Não muito. Já podemos ir? — Respondi com sinceridade. — E você já bebeu todas. Não dou nem dois minutos antes que comece a vomitar.

— Ainda não. Hic! Eu quero faxer uma coisa antes. Hehe — Disse, se aproximando. Vinni estava chegando perto demais, coisa estranha. Parecia que ele ia me contar um segredo. Estava baixando a voz.

— Zig, hic! Eu trouxe voxê aqui essa noite, para contar uma coisa. Hic!

Nunca tinha parado para pensar em como meu amigo era bonito. E esquisito. E inteligente. O cabelo era preto, dividido ao meio e acabava na altura do queixo quadrado. Passava a maior parte do tempo sério, mas quando abria um sorriso iluminava tudo.

O rosto era fino e os olhos eram castanho esverdeados, decididos. Alto e magro. Os braços um pouco compridos demais, mas nada que suas roupas não disfarçassem. Vinni era meu único amigo, certo? Certo.

A cara dele estava tão perto, que comecei a pensar em sopa de cérebro e explorações de ervilhas. Não, péra. Será que... ai caramba! Será que o Vinni ia me beijar?

Mas por que ele faria uma coisa assim? E eu queria isso? Vinni me segurou pelos ombros e sua boca foi chegando perto. Estava me decidido se queria aquilo ou não. E no final das contas não deu para descobrir. Recebi um belo banho de vômito. E não importa o quanto você não sofra de frescurite aguda. Vômito sempre vai ser nojento! Absolutamente nojento!

Claro que eu tentei me livrar daquele banho de restos e álcool. E no meu desespero, me desequilibrei. Não conseguia me agarrar em nada. E a partir daí as coisas começaram a acontecer bem lentas. Olhei para cima e vi o Vinni desesperado, mãos estendidas para mim, alcançando o vazio. Eu juro que tentei me agarrar naquelas mãos, mas já estava longe de mais.  

A sequência de janelas do prédio passava bem devagar por mim. Ou era eu quem passava por elas? Parecia que eu estava em uma bolha isolante de todos os sons. Nem meu coração batia. — Vou morrer. — Pensei. Para falar a verdade, não foi exatamente um pensamento, foi uma constatação. Um misto de alívio e pânico.

Não vi um filme em minha cabeça. Não tinha muito para lembrar e mesmo assim, alguma coisa disparava na minha mente. Um clarão de informações incandescentes. Sério, eu vi bolas de fogo, lava e vulcões. Eu não queria morrer e estava pedindo para o universo que não me deixasse partir. Não ainda. Não desse jeito!

Então me agarrei com força num único pensamento. Eu sou Zig. Eu sou Zig. Eu sou Zig!  As coisas voltaram à sua velocidade normal e meu corpo encontrou o chão num baque violento. Minha mente não deveria mais estar desperta.

O crânio estava esfacelado, minhas costelas perfuravam os pulmões. A coluna era outra parte muito avariada. O sangue era expelido com vontade da minha boca. E escorria generoso por todos os buracos da minha cabeça. Eu não sentia dor, mas sabia que tinha virado um patê de mim.  Um patê cheio de vômito. Blerrrgh. Parabéns, Zig, belo jeito de morrer.

Uma linda borboleta de asinhas laranjas pousou sobre meu nariz. E então eu lembrei. A essa altura, a visão já turvava. E a última coisa que vi, foi a borboletinha alçar voo. E tudo foi apagando. Eu sou Zig... Eu sou... Eu... Zig. Escuro. Foi assim que terminou a queda do oitavo andar.

E essa foi a primeira vez que eu morri.


Continua na próxima terça!

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