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—
Ora pois, contar o quê? — Ele sabia muito bem sobre o que a moça estava falando.
Lorena tinha aquela curiosidade mórbida. Desconcertante.
—
Ah, por favor. Quantas vezes vou ter que vir aqui, para satisfazer minha curiosidade?
Acho que não me responde só pra ver se eu volto.
Ele
riu alto. Lorena era engraçada, precisava admitir. De alguma maneira sabia — ou
imaginava — que ela estava fazendo biquinho, fingindo-se amuada.
—
Acho que está dando certo. — respondeu o tecelão, cruzando os braços. — Você
sempre volta, não é? Sou cego, mas não sou burro, garota. Sei que gosta de
conversar comigo, afinal, que te importa como perdi a visão?
—
Ahá! “perdeu a visão”, hein? Ótimo, agora sei, pelo menos, que não nasceu cego.
Já que tivemos esse avanço, por que não me conta como aconteceu?
—
Ó raios, mudou de universidade? Largou o design e rumou para investigação? É
repórter agora?
—
Minhas perguntas irritam?
—
Ah Lore, não é que me irritam, exercitam meu humor. — Não dava pra ficar
zangado com aquela figura. Até aquele momento, Lorena era uma voz. A voz de
alguém quente demais.
—
Sei que minha curiosidade é mórbida e tal, você já me disse isso antes. Mas é que,
sei lá, você sabe um monte de coisa sobre mim. E o que eu sei de você? Que
nasceu num fim de mundo chamado arrolo e que aprendeu a fazer tapete lá. E o
que mais? Tá, você tem um ótimo gosto musical e...
—
É Arraiolos. Vila de Arraiolos. — Talvez passasse uma vida inteira antes que
ela aprendesse o nome de sua cidade natal. O que a família diria daquela moça
amalucada? Nada. Ele não voltaria a Portugal tão cedo. Nem tão tarde. Sacudiu a
cabeça. Estava a fazer planos com uma desconhecida? Mau agouro.
—
Tanto faz. — Ela retrucou, sacudindo os ombros. Ele conseguia ser um babaca com
aquele ar de superioridade. Com aquela reserva idiota. Custava contar por que tinha
ficado cego? E se ele contasse, deixaria de ir vê-lo?
—
Lembre-se, eu não sei tudo sobre você ainda. — disse ele, interrompendo os
pensamentos desenfreados de Lorena — Nunca senti seu rosto. Não sei como é seu
cabelo, por exemplo.
—
Não seja por isso! — Aproximou-se, pegando as mãos do tecelão e pondo-as sobre
o rosto.
—
Ora pois, não preciso tocá-la para saber que é, de fato, uma pessoa linda. — a voz saiu num sussurro grave.
—
Hun? — O que ele disse mesmo, que ela era uma pessoa linda? Como ele era fofo.
Ou muito esperto. Ou...
—
Você é gay? — Disparou a queima roupa, arregalando os olhos, como se tivesse
feito uma descoberta genial.
O
tecelão suspirou.
—
Depende do contexto. — começou calmo,
partindo aos poucos para rispidez. — Sou gay porque não a apalpei? Sou gay por
que já fiquei com outros homens? Sou gay por que me dediquei a conhecê-la ao
invés de transar o mais rápido possível? Eu sou uma pessoa, Lore. Antes de ser
meu corpo, antes de escolher os parceiros de cama. Sou um individuo com a
liberdade de ser o que quiser, pois não estou preso a rótulos. Sou cego, mas
acho que enxergo muito mais do que você. — Aborreceu-se mais do que pretendia.
Lorena
assobiou, como quem diz: “que bela lição de moral”.
—
Sabe... acho que a sua cegueira te deu alguns méritos e tal. Mas também te
deixou meio babaca! Esse papo de sou cego, mas sou ótimo, sou cego, mas sou bem
sucedido, sou cego e não preciso provar nada, e daí que você é cego seu idiota?
Isso não te faz melhor ou pior do que ninguém!
O
artesão retesou, endireitando-se no banco do tear. Talvez tivesse sido muito
estúpido. Mas ela também não era nenhuma dama, por assim dizer. Passinhos
decididos se aproximavam. Mãos pequenas e macias tocaram cada lado de seu
rosto. Um narizinho firme encontrou com o seu. Irritante. Ela era irritante.
—
Antes de me dar essa aula de humanas, eu diria que te acho muito gato. E admito,
pensei várias vezes como seria ir pra cama com você. Mas agora, eu só posso
dizer que você é lindo. Uma das pessoas mais lindas que eu conheci e me sinto
honrada por isso. E tem mais. Eu também quero ser uma pessoa antes de ser
mulher ou hetero, ou gostar de homens mais velhos, charmosos, cegos e
autossuficientes.
—
Lore... — Engoliu o resto da frase. Não ia admitir que ela o encantava. Não
ainda.
—
E claro, conto com você para me ensinar isso, porque se eu ficar sozinha vou
achar muito difícil e desistir. Sabe como é, nunca fiz planos de evoluir e me
tornar uma pessoa melhor e tal.
—
Você é incrível, sabia? — Falou com mais admiração do que pretendia. Mau
agouro.
—
Rá – Rá. — Lorena estava, realmente, muito sem graça — Vindo de você eu até
acredito. Seus tapetes são incríveis também. Algum deles vai ter meu nome?
—
Vou pensar no seu caso. Ajuda saber que há uma chance?
—
Ai caramba! — Bateu na testa como se um mosquito a tivesse picado, mas era só a
lembrança de que precisava ir. — Está na minha hora!
—
Você vai voltar? — Estava pensando se não a tinha assustado com aquela conversa
de ser pessoa antes de ser corpo. Mas ele era assim, não era? Um dia ela
descobriria, de qualquer forma.
—
Claro ué, ainda não me contou como perdeu a visão. É melhor inventar uma coisa
fantástica para fazer valer a pena esse suspense todo. — respondeu, saindo
apressada depois de estalar um beijo na bochecha do artesão.
E esse foi um conto de Dany Fernandez
Bom gente, eu sou a Dany aqui do blog mesmo! Esse conto escrevi durante o módulo 2 do curso escrevivendo, com Walter Tierno e Giulia Moon de mentores. XD Se curtiu esse conto, quer trocar ideia ou me dar uns toques, é só comentar aqui embaixo! \O/
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