O cansaço ensopava os
pensamentos. Pela janela do ônibus, via a paisagem corrediça em borrões. Não se importava com o cabelo estufado pelo
vento. Só pensava em deitar sobre um colchão macio.
Caminhou zumbicante até o portão.
Trancou-se no quarto. Pensou em nunca mais sair de lá. Enfiou-se na cama e
permaneceu imóvel durante muitos anos.
As traças roeram-lhe as vestes, e
os vermes sua pele e entranhas. Até que eles mesmos pereceram, deixando no
lugar do antigo corpo apenas os ossos e os cabelos.
Despertou, quatro séculos depois.
Mal recordava seu nome ou a definição de seu sexo. Teria contemplado sua imagem
no espelho da porta, se ainda possuísse olhos. E quem precisa desses faróis de
carne quando há o inconsciente no comando das ações?
— Onde estariam os outros? — surgiu
ansioso o pensamento. Esquadrinhou os cômodos da casa. Deserta. Correu para
fora.
Caminhou na rua escura. Aqui e
ali, postes faziam porcamente seu serviço. Lembrou-se das noites em que
costumava andar só, a fim de se livrar de seus próprios demônios.
De alguma forma, sentia que esses
monstros não moravam mais dentro de si. Quem sabe, tivessem fugido e engolido o
mundo inteiro. O breu noturno despertava urgência. Algo não encaixava. — Onde
estariam os outros? — Rosnados e o som de unhas raspando pedras lhe tiraram do
devaneio.
Assim que virou a esquina,
esbarrou numa matilha de cães caveiras. Claro, foi isso o que houve! Esses
malditos devoraram a cidade inteira e agora queriam a sobremesa! Correu, torcendo
para as pernas não fraquejarem.
Téc- téc- téc. Lá vinham eles. Enfiou-se
ainda mais entre os muros que encontrou. Parou em uma viela sem saída. Que
burrice!
Logo chegaram os cães infernais.
Apertava com desespero o corpo contra a parede de tijolos ásperos. Queria
gritar e para seu desgosto, não conseguia emitir nenhum som. O que diabos
estava acontecendo? — Acorde, acorde, pelo amor de Deus! — suplicava em
pensamento.
Mesmo que aqueles bichos não
tivessem mais pele, era óbvio o quanto se divertiam com seu pavor. Com
passinhos lentos e estalados, cercaram a presa apetitosa.
Sofria com a secura na garganta. Tremendo
até o último pelo imaginário, cobriu o rosto com as mãos e assustou-se ainda
mais quando percebeu que seu corpo não passava de ossos empilhados.
Queria rir e chorar. A situação
era de uma ridicularidade onírica. Cães
adoram ossos! E o que era agora, senão exatamente isso?
Resignou-se. Aceitou o fim
bizarro. No entanto, ao invés de ter o corpo esfacelado, viu a matilha
transformar-se rapidamente em pó. Além dos cães, as paredes, o bairro e a
cidade foram se desintegrando, formando dunas e mais dunas.
Em êxtase, viu surgir ventos de
fúria varrendo a areia acumulada, sedimentos inúteis de imaginação. Em seguida,
uma temível tempestade lavou todas as idéias.
Sobrou apenas a caneta na mão da
escritora, cuja mente inquieta, flutuava perdida no deserto das ilusões.
Um conto de Dany Fernandez
Bom gente, eu sou a Dany aqui do blog, mesmo! hahaha
Esse conto escrevi durante o módulo 1 do curso escrevivendo, com Walter Tierno e Giulia Moon de mentores. XD
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