Gênero: Terror | Fantasia
Páginas:96
Editora: Devaneio
#FantasticWorld
Sempre que eu via a capa do
Fantasmagorias, ficava intrigada. O tom azul e aquele monte de crânios num
lodaçal pantanoso eram um convite para minha imaginação hiperfelitilizada. E não é que um dia — Nesse Dia — acabei
encontrando pessoalmente com o livro e o levei para casa?
No início, eu estava muito
tímida. Mas logo me senti à vontade, acompanhada de narradores taciturnos e acontecimentos
fantásticos, oscilando entre o assustador e o singelo.
Eu sempre tive um gosto
estranho. Quando criança e boa parte da
adolescência, adorava filmes de terror das décadas entre 30 e 70. Bela Lugosi,
Christopher Lee e Vincent Price foram, por muito tempo, meus assombrados
preferidos.
Bom, o tempo passou e as sessões
de cinema na casa da avó foram deixadas para trás, e com elas ficaram a minha
noção de bom terror (que eu só tinha
contato novamente nos filmes do Tim Burton), ou seja, aquilo que mexe com
nossos medos, mas não nos aterroriza (como os noticiários sanguinários e as
contas de luz, obscenidades reais e inevitáveis).
Eu poderia passar páginas e mais
páginas falando das minhas teorias pessoais a respeito do gênero de terror e de
como meu gosto para o clássico pode feder a mofo e naftalina. Só que não. Pelo
menos não hoje.
Esse texto é para ser uma resenha
e eu já comecei viajando longe. Bom, isso não deixa de ser um efeito colateral,
já que ler Fantasmagorias — que eu chamo carinhosamente de “Fantas” — é viajar
no tempo, reencontrar o terror clássico e ainda ter uma palinha de como eram
as coisas que inspiravam o mestre Lucchetti.
São catorze contos INTEIRAMENTE ilustrados por
Emir Ribeiro, apresentando pequenas notas onde o escritor nos conta o que
rolava nos bastidores da criação de cada uma das histórias apresentadas. E isso
só aumentou o encanto e a nostalgia.
Crédito: imagens da página Contraversão |
A feiticeira – Conto em primeira pessoa, onde o protagonista
precisará enfrentar uma temível feiticeira, ainda que não se dê conta disso.
Ugo, o belo – Um ilusionista que além de charmoso era
talentosíssimo, sofre um atentado durante uma de suas apresentações e
desaparece logo em seguida, deixando um rastro de mistério. Eu já estava tecendo mil teorias
conspiratórias até chegar ao final e descobrir o segredo de Spoletto, o
assistente feioso de Ugo. E não importa o que você imagine. Definitivamente não
é o que está pensando.
Gênesis – um conto de pressão psicológica, voltado para sci-fi,
onde o protagonista acorda e não encontra viva alma em toda a cidade, apenas
cibóres (um tipo de ciborgue a lá C3PO) educados e sem capacidade de responder
perguntas. Detalhe: o conto se passa em
São Paulo.
Os bonecos de Bruno – Um simpático senhor tem um museu de estátuas
realistas. Elas surgem “do nada” e chamam atenção pelo nível de detalhamento. A
estrutura textual desse conto, segue como um roteiro e imaginei as cenas tanto
em quadrinhos como numa peça de teatro.
Romeu e Julieta – Está entre os meus contos favoritos da coletânea.
Sim, é a história de Shakespeare com uma nova roupa, em outro país e novas
pessoas. O que me chamou atenção aqui foi o final inusitado, maligno. E não
posso falar mais sobre isso.
Sino de Natal – Um conto de cinco parágrafos. E só posso falar três
palavras sem cair no spoiler: Gina, Natal e Sino.
O fantasma da prima Lavinia – Outro dos meus top 3 preferidos: Era
para ser uma história de amor. Mas não é. Era pra ser de terror, mas também não
é. É um conto sobrenatural em todos os detalhes. Principalmente pela interação
do protagonista com um fantasma se desenrolar de maneira natural. Você
aceitaria conselhos de uma parente? E se essa parente for uma fantasma, ainda
aceitaria?
O Lobisomem - A tensão
clássica de um conto de terror está aqui. Nora passa muito tempo sozinha por
conta do trabalho do marido. Mas isso não durou por muito tempo, logo apareceu
uma nova companhia. Bem assustadora.
O lago - Um dos contos que me fez apaixonar de vez por esse livro:
o protagonista É O LAGO. O cenário e o clima é insólito e viajamos na narrativa
de uma senhorinha muito falastrona. A forma como a história é tecida vai
grudando na pele, a asfixia chegando lenta, através de pitadas de suspense. Me
amarrei. Sem mais.
Conversa nas Sombras – Até parece que amei todos os contos de
Fantas. Não é verdade. Curti todos, me apaixonei por alguns e me diverti muito
com outros. Mas esse aqui é tão insólito que não deu outra: amor eterno à
primeira lida. Temos um lindo solar em que os empregados aguardam pelos novos
patrões e durante sua conversa percebemos que eles se tratam de uma trupe nada
comum. Hehehe
O segredo do professor - Um
professor de química que na verdade era um ex-médico brilhante. Uma caveira e
um aluno muito curioso. O resto eu não posso contar. Afinal, é um segredo do
professor e segredos a gente não sai por aí contando pra todo mundo, né?
Um perfil nas trevas – Outro conto insólito, dessa vez, falando do
quão mórbida pode ser a curiosidade humana e o quanto a imagem é importante
para nós, relegando a essência e a
pureza das coisas e pessoas a um grau inferior. Aplaudi de pé.
O monstro de ouro verde – Um conto estilo o médico e o monstro. Uma
série de mortes violentas e inexplicáveis passam a ocorrer numa cidadezinha do
interior e um repórter bisbilhoteiro vai até lá investigar... Cenário bucólico,
protagonista cético e um final dançando entre o trágico e fantástico. Fim.
Anjo da noite – Não é exatamente um conto, mas também não deixa de
ser. É um poema inspirado na ilustração que o abre e fala, de forma onírica
sobre uma vampira que veio trazer a imortalidade para alguém. A “voz” do poema
não se apresenta como homem ou mulher. Essa voz apenas é. E a vampira bem
poderia ser a morte vindo buscar alguém. Em fim, é um poema e cada um
interpreta da maneira que lhe convier.
O Formato escolhido para o livro
não é muito usual, e me lembrou bastante aquelas HQs e publicações antigas de
terror. A diagramação tornou a leitura um pouco desconfortável já que leio
muito em transporte público e as colunas de texto irregulares me causavam
cansaço, além do formatão do livro exigir bastante espaço para ser manuseado.
Me chame de louca, mas até essa
característica eu achei “charmosa.” Afinal, esse não é um livro para ser lido
de qualquer maneira ou em qualquer lugar. Fantasmagorias, é por si só, um
evento literário de terror e fantasia e como tal, exige atenção e espaço
próprios.
E foi assim que me vi, depois de
muito, muito tempo, procurando um puff confortável e uma iluminação adequada
para degustar a leitura, longe da correria cotidiana, dos olhares curiosos e
das cotoveladas do metrô.
Saldo final da leitura: Me rendeu uma saudade de um tempo que não
vivi, mas do qual pude ver fragmentos. E são esses pedacinhos de estória me
fizeram sonhar. Como todo bom livro deve ser.
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